A REINVENÇÃO DO ESPAÇO E TEMPO ESCOLAR OU DE COMO RESSIGNIFICAR O PEDAGOGO COM UMA FILOSOFIA À MARTELADAS: Uma discussão para além da bildung moderna
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Princípios da Pesquisa em Filosofia da Educação
O objeto desta pesquisa delineou-se a partir da experiência docente em cursos superiores de Normal Superior e Pedagogia, ministrando-se disciplina, que ao olhar alheio, torna-se estranha e estrangeira: a filosofia da educação.
A problemática logo se fez presente, uma vez que no tocante ao ensino de filosofia para cursos que não visam formar filósofos, a dificuldade se torna clara e evidente: os educandos, além de serem vítimas da segregação intelectual histórica de nosso país “(...) logo de início e de modo geral não tinham o desejo de aprender os saberes ditos ‘filosóficos’ (GELAMO, 2007, p. 231)
Esta problemática intensificou-se diante da impotência e do estrangeirismo de estar ministrando saberes tão importantes para a construção dos processos políticos e pedagógicos da educação, mas que não eram aceitos por aqueles que o recebiam, ocasionando-se o surgimento da indagação: “o que isso (a filosofia) tem haver com o curso que eu faço? Dito de outro modo, qual a relação existente entre a filosofia e os campos de saberes específicos para os quais cada um dos alunos estava sendo formado?” (GELAMO, 2007, p. 231).
De início a sensação de fracasso foi substituída pela necessidade de se fazer a reflexão permanente da prática de ensino, tentando-se descobrir como “o professor dessa disciplina [filosofia] deveria refletir acerca de sua própria formação e dos limites de seu ofício” (PAGNI, apud GELAMO, 2007, p. 234).
O resultado foi a tentativa de responder às questões dos educandos produzindo mais um problema: o conteúdo ministrado na ementa do curso e a própria atuação pedagógica tradicionalista entranhada nas vísceras, fez com que os primeiros cursos ministrados fossem um desastre. Pois a vontade de saber associada a idéia de quantificação do saber e a metodologia histórico-filosofica provocaram uma explosão de aversões ao curso de filosofia da educação.
Neste momento se começou a indagar sobre a questão fundamental que poderia estar por traz desta problemática. Ou seja, qual o sentido de formação que professor de filosofia daria a um curso não-filosófico que pudesse promover a simpatia dos educandos por esta construção de conhecimentos.
A esse respeito Gelamo dirá:
Pode ser que o problema esteja na ordem mais geral, na concepção mesma de ensino de filosofia. Lugar onde se deveria pensar qual o objetivo de uma disciplina estranha (...) a determinado campo do saber (no caso do ensino de filosofia para não-filósofos) e se entender qual seria a função do professor de filosofia (tanto para os cursos regulares de filosofia quanto para os de não-filósofos). Que tipo de saber o professor deveria possuir e produzir? Que tipo de subjetividade ele auxilia a produzir /formar enquanto filósofo/professor? O problema poderia ser colocado do seguinte modo: o que se espera do filósofo quando o assunto é o ensino de filosofia? (2007, p. 236).
Diante destas inferências poder-se-á escutar a voz de Pagni (apud GELAMO, 2007, p. 236) que sintetiza o problema da seguinte maneira:
(...) como os professores de filosofia poderiam filosofar para que o aprendiz também fosse despertado para tal, diante de uma situação em que a determinação da cultura só ampliou a deformação profissional daqueles e apenas auxiliou a sufocar a disposição destes para aprender a pensar criticamente o tempo presente?
Nestes termos, é que se intencionou pesquisar o tema proposto, a saber, a reinvenção do espaço e tempo escolar ou de como ressignificar o pedagogo com uma filosofia à marteladas: uma discussão para além da bildung moderna, uma vez que se entende que a partir do projeto nitzscheano de crítica da modernidade (a maioridade da razão) e seu sentido de formação (bildung), poder-se-á escapar da analítica da verdade moderna em favor a uma analítica do presente. Dito de outro modo, com o martelo de Nietzsche se poderá reinventar o espaço e o tempo escolares com seus elementos contingentes e potencializar a ressignificação do pedagogo fazendo-o ser o que se é, fulcrado em uma ontologia do presente e não se valendo dos conhecimentos transcendentais da analítica da verdade moderna. Como dirá: “o homem que não quer pertencer à massa só necessita deixar de comportar-se comodamente consigo mesmo e obedecer à sua consciência que lhe grita: Sê tu mesmo” (NIETZSCHE, apud, LARROSA, 2005, p. 58).
Ademais, poder-se-á discutir qual o papel e o sentido do filósofo/professor de filosofia para cursos de filosofia e ou de não-filosofias, pois “fazer ontologia do presente é problematizar nossa contingência como elemento e como ator na relação cotidiana com o ensino de filosofia” (GELAMO, 2007, p. 243.).
A Educação e o Nosso tempo
Sociedade da informação, sociedade do conhecimento, era da linguagem, era da globalização, era da incerteza, pós-modernidade. Todas estas nomenclaturas, ainda recentes e ambíguas, constituem o arcabouço representativo do espaço e tempo contemporâneos.
O século XXI é um momento de imensas transformações, de velocidades avassaladoras e de instabilidades conceituais ainda maiores, proveniente de novas perspectivas de informação e da comunicação, oriundas de uma nova configuração de sociedade que “(...) em oposição a um estado estático e estável, mostra-se densa, complexa, em movimento e mutação, transparecendo as suas modificações em todos os sectores da vida do indivíduo marginalizando aqueles que não acompanham o movimento” (NUNES, s/d, p.01). Pois a crescente invasão de novas tecnologias associadas a uma avalanche de novas interpretações conceituais disseminadas em altíssima velocidade e sem limites espaço-temporal colaboram para uma geração e profusão de uma explosão demográfica de universos que se misturam em múltiplas variações.
Tal fenômeno, contemporâneo, implode o universo significativo deste século, uma vez que promove uma pluralidade de significações e significados que não respeita os espaços geográficos delimitados, tampouco, o tempo cronológico e histórico, promovendo questionamentos acerca da uniformidade e fixidez dos conceitos e valores que operavam a lógica de significação e constituição sociedade.
A esse respeito dirá Nunes (s/d, p. 01):
O sistema de transporte e de comunicação aproxima e conecta os indivíduos, modificando o estado anterior das coisas, num processo dinâmico de aceleração da comunicação e da mobilidade física. Os limites e fronteiras entre os territórios tornam-se flexíveis e permeáveis, propiciando a passagem do interior para o exterior e vice-versa. (...) A evolução da técnica torna possível o estar aqui e lá ao mesmo tempo. (...) A técnica produzida pelas ciências transforma a sociedade, e por seu lado, a sociedade tecnológica modifica a ciência, e assim, se mantém um ciclo contínuo e cada vez mais complexo e acelerado. A sociedade de hoje está distante da de ontem e estará distante da de amanhã.
Neste contexto, pode-se intentar que as novas tecnologias de informação, e comunicação presentes no lócus da sociedade contemporânea, diversificam a proposta epistemológica de subjetivação intelectual e cultural dos indivíduos. Ora, ao se buscar uma compreensão do que seja a pós-modernidade e o que ela poderá implementar de modificações na sociedade, se chegará a conclusão que este é
(...) um fenômeno contraditório, que usa e abusa, instala e depois subverte os próprios conceitos que desafia – seja na arquitetura, na literatura, na pintura, na escultura, no cinema, no vídeo, na dança, na televisão, na música, na filosofia, na teoria estética, na psicanálise, na lingüística ou na historiografia (HUTCHEON, 1991, 19).
Em meio a esta problemática conceitual do que seja a pós-modernidade e o reflexo que tal movimento e velocidade incessante provocam no seio da sociedade atual, produzindo-se transformações na ordem espaço-temporal, alguns teóricos evidenciam que tal fenômeno é provocado pela crise da modernidade. Contudo, ao se entender que (GALLO, 2006) Lyotard, na obra a Condição pós-moderna, enunciara o termo não como substantivo, mas como adjetivo, pode-se perceber que se está diante de uma questão enigmática e que, do mesmo modo, é questionável a existência de uma crise na modernidade.
Mas é nesta incógnita sobre a crise da modernidade em função de uma suposta existência da pós-modernidade que se poderá configurar uma aproximação ao objeto de estudo desta pesquisa. Pois o que se pretende evidenciar é que na tensão entre o espaço e tempo moderno e uma possível configuração do um espaço e tempo pós-moderno poder-se-á ocasionar uma discussão acerca da natureza ontológica do fazer pedagógico no campo da Educação. Ou seja, o ponto de partida da problemática aqui apresentada, será buscar compreender por que a sociedade contemporânea, com sua avassaladora possibilidade de transformação e ressignificação do espaço e tempo atuais, não conseguiram efeitos satisfatórios na alteração dos padrões tradicionais do espaço e tempo escolar? Dito de outra maneira, qual o sentido de formação que se terá que implementar nas Faculdade e Universidades atuais para que o pedagogo possa, ao adquirir sua titulação acadêmica, enfrente as diversidades, instabilidades e transformações galopantes próprias da sociedade de informação do século XXI? E, ainda, Se o espaço e tempo moderno se modificaram em função do advento da pós-modernidade, por que a escola e o pedagogo insistem em se manterem modernos?
À guisa destes questionamentos é que se formatará a questão/problema desta pesquisa, a saber, como a filosofia da educação, enquanto disciplina que ensina o filosofar para o não-filósofo, poderá reinventar o espaço e tempo escolar, ressignificando o pedagogo a partir de uma nova proposta de subjetivação (formação) que o impulsione a ser o que se é? Ou de outro modo, “o que faz o filósofo quando seu ofício é ser professor de filosofia?” (GELAMO, 2007, p.243).
O que se pretende não é responder o que seja o professor de filosofia, ou quais conteúdos devam ser ministrados, tampouco o que é o ensino de filosofia, senão pensar o próprio espaço/tempo escolar com seus elementos contingentes, evitando-se qualquer utilização de elementos transcendentais, seja conceitual ou valorativo. Ou seja, pretende-se fazer uma ontologia do presente, uma investigação do problema na ordem do acontecimento, olhando-se além do aparente, libertando-se da liberdade em favor da vida. A esse respeito Gelamo e Lima (apud, GELAMO, 2007, p. 243) dirão:
Olhar além do aparente. Talvez esta intenção, a insistência neste ponto, possa problematizar o fechamento da discussão sobre formação de professores. Entrar na lógica do sentido e não da formalidade na qual os discursos majoritários são desenvolvidos e funcionam para produzir o conceito tradicional de sistema educacional como único caminho de formação. Lógica Fluída e imanente, encarregada de dar sustentação à transmissão da cultura legítima como herança. Para isso temos que colocar o problema na ordem do acontecimento, fazer uma ontologia do presente. Não nos restringindo à ordem do dever ser reificado na estrutura de uma teleologia educacional, que tem como fim a Verdade. Entrar na espessura da realidade.
Para tanto, seguiremos os passos de Nietzsche que ao apresentar o projeto de crítica à modernidade o fará redirecionando o enfoque do questionamento filosófico para o presente, para o espaço/tempo contingentes, a fim de resolver os problemas que os afetam. Pois,
a ontologia do presente é uma ontologia crítica de nós mesmos; ela desloca a questão (kantiana) para uma outra questão, também já presente em Kant, porém enfatizada por Nietzsche (...) Essa nova pergunta põe em relevo o sentido e o valor das coisas que acontecem conosco no nosso presente, não mais perguntando sobre a verdade das coisas – até porque a verdade para Nietzsche é histórica (...). Assim, a questão kantiana – que se pretendia transcendental – subordina-se à questão nietzscheana – que é contingente. (VEIGA-NETO, apud GELAMO, 2007, p. 241)
Afeitos a esta metodologia nietzscheana poder-se-á pensar o presente da ação filosófica nos cursos de formação de professores (não-filósofos) para que se possa reinventar um novo sentido de formação para além da bildung moderna, que dê conta de ressignificador o pedagogo, subjetivando-o com uma vontade de potência, um tornar-se o que se é. Pois o
tornar-se o que se é de Nietzsche envolve um abandono daquilo que se é, um voltar-se contra o que se é, um re-inventar-se. Não há metas estabelecidas para tornar-se o que se é, não há um ‘eu’ pronto esperando para se fazer. Não há uma essência esperando para ser atualizada. O tornar-se o que se é é pura inventividade, puro devir... (CLARETO, 2007, p. 50)
Referências
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