Leia a tira em quadrinhos
abaixo de Mafalda:
MAFALDA. O que é Filosofia. Disponível em .
“Sê senhor da tua vontade e escravo da tua consciência.”
Aristóteles
Como vimos na
tira em quadrinhos acima, do escritor argentino Quino, Mafalda faz um
questionamento para o seu pai que o deixou confuso, fazendo-o pesquisar e estudar
muito para tentar encontrar uma resposta sobre o que é a Filosofia. O que é
interessante nesta tirinha em quadrinhos é que todos nós, em algum momento de
nossa vida, seremos desafiados a entender o que é a Filosofia. Contudo, por já
ser filosófica, esta não é uma questão simples de ser compreendida ou
respondida, como percebeu o pai da Mafalda.
A compreensão sobre
o que é a Filosofia não pode acontecer sob uma única ótica interpretativa
emanada de um conceito de verdade absoluto. Mas, o entendimento que seja a
Filosofia só acontece quando a entendemos por meio de múltiplas perspectivas de
compreensão desta forma de conhecimento.
Ora,
agora, você pode estar se perguntando: se temos múltiplas possibilidades de
responder o que é a Filosofia, então não teremos nunca uma resposta e uma
compreensão sobre o que é este tipo de conhecimento, uma vez que conhecer
alguma coisa é poder ter uma resposta verdadeira, única, absoluta sobre as
coisas e conhecimentos?; ou, ainda, como distinguir a Filosofia de outras
formas de conhecimentos científicos, uma vez que todo conhecimento é pautado
pela busca de um conhecimento verdadeiro? Bem, a princípio podemos incorrer
neste tipo de confusão. Mas não é bem assim!
Vamos entender
isto melhor no exemplo a seguir. Se reunirmos várias pessoas com maior ou menor
afinidade em relação à Filosofia (teólogos, filósofos, artistas, cientistas,
pessoas comuns, entre outras) e fizermos tal questionamento a elas, certamente,
teremos muitas possibilidades de respostas à questão, ocasionadas pelas
perspectivas culturais das quais formam cada uma destas pessoas. Um teólogo, a
entenderá à luz de concepções que fundamentam a sua crença religiosa; um
filósofo a entenderá segundo a orientação filosófica da qual tem mais
afinidade; um artista a perceberá conforme as implicações existenciais e
artísticas de sua obra; o cientista a deduzirá como princípios e orientações
lógico-metodológicas para as suas investigações; e o homem comum a intuirá como
forma de consolidar pensamentos e crenças cotidianas. Todavia, mesmo diante destas
múltiplas interpretações sobre o que é a Filosofia, todas expressarão a
importância da Filosofia como uma das prerrogativas fundamentais do ser humano,
requerendo de todos nós que possamos compreendê-la como a busca humana racional
e incansável pelo conhecimento.
Deste modo, podemos
sim ter uma resposta do que é Filosofia, mesmo diante da multiplicidade de
interpretações, quando entendermos a sua importância para a constituição dos
saberes e da vida como um todo. A Filosofia, neste sentido, poderá ser
compreendida como um modo de “especulação infinita e desregrada em torno de
qualquer assunto ou questão, ao sabor de cada autor, de suas preferências e
mesmo de seus humores [...]” (PRADO JUNIOR, 2000, p. 06), sem a pretensão de
resolver tais assuntos ou questões, mas sugerindo novas questões e
problematizações, estimulando a análise, reflexão e a crítica sobre os saberes
humanos. Ou seja, a
Filosofia é uma busca incessante pelo conhecimento do
conhecimento, pelo conhecimento pensado pela humanidade, pelos saberes que
constituem a realidade humana.
Ora, como
sabemos, o ser humano é o único animal da face da terra que é racional, como
bem disse o filósofo Aristóteles
(384-322 a.C.).
Por ter a predisposição à racionalidade, a pensar sobre os acontecimentos que
fazem parte da sua vida, o ser humano é, também, o único animal que consegue
pensar em termos de passado, presente e futuro. Ou seja, todos nós podemos rememorar nosso passado, lembrar de nossa infância, juventude, dos amigos que
há muito tempo não encontramos, dos momentos felizes que passamos e dos
problemas que fizeram parte de momentos de nossa vida.
Podemos, também, pensar
o presente para que possamos viver de forma saudável, realizar bons negócios,
nos divertir, resolver problemas do dia a dia, viver melhor. Da mesma maneira,
podemos pensar sobre o futuro, planejando melhorar de vida, comprar um carro,
uma casa; projetando novas fases de sua vida como concluir um curso, fazer uma
faculdade, encontrar um novo emprego; ou criando novas possibilidades para a
vida produzindo novos equipamentos tecnológicos, encontrando a cura de doenças,
propondo novos modelos de arquitetura, entre outros.
Pensar,
portanto, é uma capacidade humana que nos faz criar múltiplas possibilidades de
saberes para a vida humana. Mas, será que o simples fato de pensarmos sobre o
presente, o passado e o futuro já nos predispõe à condição de sermos filósofos?
O que é ser um filósofo? Ou ainda, a que tipo de conhecimento se propõe a
Filosofia?
Bem, entender
que o ser humano é um animal racional nos faz ir de encontro ao fato de que
todo ser humano nasce com a capacidade do filosofar. Imagine uma criança quando
começa a dar seus primeiros passos, a expressar suas primeiras palavras, a se
encantar e admirar com o mundo que está à sua volta. Logo começam a surgir
interrogações, questionamentos que são interpelados aos adultos que estão à sua
volta: o que é o mundo?; como uma planta nasce?; por que o céu é azul?; por que
as formigas andam atrás umas das outras?; onde estão as pessoas nas imagens da
televisão?; por que ….?; como ….?; onde ….? Sempre que percebemos uma criança
inquieta e fazendo perguntas que nós adultos já não o questionamos, há bastante
tempo, estamos diante de um fenômeno humano que é o fato de que a criança está
exercitando seu espírito filosófico, questionando sobre as coisas, os fatos, os
fenômenos que estão à sua volta, capacidade esta que, nós adultos, perdemos por
nos conformarmos com respostas prontas, acabadas, verdadeiras e absolutas sobre
estas mesmas coisas, fatos e fenômenos.
Neste sentido,
podemos entender a importância de se compreender a Filosofia como sendo a
capacidade que o ser humano tem, independente de sua idade, condição de vida,
situação econômica, filiação política ou religiosa, de analisar, refletir e
criticar todas as coisas, fatos e fenômenos que estão à sua volta. É a
capacidade de olhar de forma diferenciada, de suspeitar e desconfiar de todas
as respostas prontas, verdadeiras e absolutas que nos oferecem como respostas
únicas sobre os acontecimentos, a vida e o mundo que está à nossa volta. É a
possibilidade de duvidarmos, pensarmos e agirmos no mundo por meio da atitude
filosófica: a capacidade de enxergarmos o mundo de forma analítica crítico e
reflexiva, em uma busca incessante em direção ao saberes dialogados,
compartilhados e aceitos, provisoriamente, como possibilidades explicativas de
um espaço e tempo nas sociedades. Contudo, o fato de caminharmos em direção à
atitude filosófica, de vislumbramos o mundo com o espírito filosófico, não nos
coloca na posição de filósofos, uma vez que para sermos filósofos necessitamos
de métodos de investigação filosófica precisos, rigorosos e uma sistematização
do pensamento que faz com que o filósofo discuta as grandes questões
fundamentais para o conhecimento e a vida humana.
Para tanto, o
verdadeiro filósofo passa a compreender que a Filosofia é conhecimento e que há
uma distinção entre a Filosofia e a Ciência, uma vez que, mesmo que ora ou
outra se ocupe do mesmo objeto de conhecimento das ciências, “[...] é pelo
objeto, pela matéria ou assunto de que se ocupa, que a Filosofia, para ter
existência própria e se legitimar, se há de distinguir” (PRADO JUNIOR, 2000, p.
12) das Ciências. Se às Ciências “[...] cabe, como objeto, a realidade
universal, isto é, o universo e seu conjunto de ocorrências, feições,
circunstâncias que envolvem e também compreendem o Homem [...]” (PRADO JUNIOR,
2000, p. 13), à Filosofia cabe, como objeto, o conhecimento do conhecimento,
buscar compreender diante da realidade universal “o que vem a ser o fato ou o
ato de ‘conhecer’; e como se realiza esse fato, qual a sequência – sua gênese,
seu desenvolvimento, e seu desenlace; [...] como se apresenta e se configura na
sua conclusão como corpo de conhecimentos para o qual o processo afinal se
dirige e em que se torna” (PRADO JUNIOR, 2000, p. 16). Portanto, a Filosofia proporá,
como Epistemologia (Teoria do Conhecimento), ultrapassar todo o conhecimento
ordinário (senso comum) e todo o conhecimento em geral da Ciência, que tem por
objeto as feições e ocorrências do Universo que envolvem o Homem e de que ele
participa, se prestando à investigação do próprio conhecimento, do conhecimento
de tais feições e ocorrências, para no contexto do processo cognitivo humano, chegar
a seu fim primordial: o de conhecer a função e constituição essencial da
natureza humana e de determinar e orientar devidamente o comportamento do ser
humano nas sociedades.
Por isto, é importante
que todo ser humano entenda e aprenda o que é a Filosofia, a fim de que
tenhamos conhecimentos sobre a própria natureza humana e a maneira como o ser
humano vive e se comporta no meio social em que está engajado. Se não for por
este motivo, seja para que tenhamos conhecimento do conhecimento e não nos deixemos
guiar pelas imposições alheias, pelas verdades absolutas que massificam o ser
humano e o impede de realizar a única coisa que o caracteriza e o distingue dos
demais animais: a capacidade de pensar e criar novos conhecimentos.
Mas como o ser
humano descobriu esta capacidade analítica, crítico e reflexiva de conhecer o
conhecimento? O que, com este novo posicionamento intelectual, mudou na
história dos seres humanos? Como podemos agir filosoficamente e superamos as
condições de massificação que são impostas aos seres humanos ao longo de toda a
história? Estas serão questões que veremos nos próximos textos.
Octavio Silvério de Souza
Vieira Neto