OPINIÃO - Octavio Silvério de Souza Vieira Neto
ORIGINALMENTE, PUBLICADO PELO AUTOR NO SITE http://www.mediacaoonline.com.br EM 17 DE MARÇO DE 2015.
Nos últimos três dias, após os
protestos ocorridos nas principais cidades do Brasil, os brasileiros estão
vivendo dias intensos, de muitos questionamentos e reflexões sobre os caminhos
que trilharemos rumo ao futuro do país.Marcadamente democrático, os protestos
entoaram muitos problemas importantes que temos que enfrentar nos próximos
anos, como a questão da desigualdade social, da reforma política, da
minimização da impunidade, do fim da corrupção, da discriminação, entre outras,
que ao lado de questões menos significativas pela falta de plausibilidade
jurídica e constitucional, como o impeachment da presidenta Dilma e os absurdos
pedidos de retorno da intervenção militar no país, demarcaram um problema de
fundo que percorre a história do Brasil, precisa se tornar o centro das
atenções dos brasileiros e que já havia sido denunciada por músicos brasileiros
das décadas de 80/90, expressa na música de Renato Russo: Que país é este?Esta expressão crítica, ecoou tão
fortemente, Brasil afora, no domingo (15/03), que levou a Polícia Federal, na
segunda-feira (16/03), a batizar, oportunamente, a 10ª fase da operação Lava
Jato com a mesma expressão.
Rememorando um pouco a minha juventude, lembro-me de ter vivido o
glorioso momento da pós-redemocratização no país em que o movimento propiciado
pela musicalidade brasileira, embalado por ideias e ritmos revolucionários, fez
com que bandas como Legião Urbana, Titãs, Ira, Plebe Rude, entre outras,
criassem canções explosivas, efusivas e contagiantes, nos impulsionando nas
pistas de dança e shows inesquecíveis e propiciando às nossas mentes e corações
a certeza de que tentar compreender melhor o porquê nos situávamos na condição
sociocultural em que vivíamos, fazendo-nos questionar sobre as mesmas questões
que emergiram no último protesto no Brasil. Este foi um momento significativo
em minha vida, me permitindo, por exemplo, estabelecer as primeiras conexões
reflexivas e pensar em estratégias e ações que me permitiriam chegar onde estou
e tornar-me o que sou. Contudo, este foi um trabalho, no início, solitário e as
sinapses aconteceram por experiências e erros, por reflexões incoerentes em
função da ausência de mediadores (lembremos que nem todos deram a mesma
importância às questões emergentes naquele momento, principalmente, na
educação) o que não é tão saudável à mente e à existência humana.Diante desta reflexão, a pergunta que
não pode calar, neste processo de feitura dos sujeitos na sociedade, é a de
que: se estas questões sobre a desigualdade social, a corrupção no país, o fim
da impunidade, a discriminação e tantas outras que fomentaram nossas
inquietações naquele período voltaram à tona 24 anos depois, o que não fizemos
e o que não aconteceu para mudar significativamente a história do Brasil e
deixarmos para traz estes vergonhosos modos de agir na sociedade?Em seu último pronunciamento à nação
(16/03), a Presidenta Dilma, legitimando a importância dos protestos no regime
democrático, da minimização da impunidade e da importância da reforma política
para que possamos atingir novos posicionamentos sócios econômicos e históricos,
propôs que o diálogo será a melhor saída para o ajuste de questões que estão
emperrando o Brasil. Todavia, quando questionada sobre a corrupção afirmou que
“A corrupção não nasceu hoje. Ela é uma senhora bastante idosa neste país e não
poupa ninguém. Ela pode estar em qualquer área, inclusive no setor privado”.Ora, esta afirmação de Dilma Rousseff,
nos faz pensar que o real problema que está no cerne do debate brasileiro e que
é o estopim para que a corrupção seja uma “senhora bastante idosa”, está sendo
deixado de lado. Pois, a questão do fracasso da educação brasileira, foi
alijada às margens dos questionamentos e das prováveis ações políticas
propostas pelo palácio do Planalto após os protestos do domingo último.Nas ruas, apesar das tímidas
manifestações nos protestos de domingo lembrando o fracasso da educação
brasileira, o que se observou foram absurdas ignorâncias históricas, como a
ideia de retorno do regime militar, a falta de conhecimento constitucional com
os pedidos de impeachment da presidenta, o enxovalhamento da comunicação com
expressões grosseiras, sem escrúpulos e que emporcalham o que somos e pensamos
uns dos outros em nossa sociedade. Isto demonstra como é necessário, sim, que
façamos um pacto para a reforma política no país. Mas esta reforma só terá
efeito quando entendermos que é a reforma da educação brasileira que propiciará
a manutenção da reforma política.Ora, o que temos alertado é que estamos
diante de uma crise de valores éticos e não somente diante de uma crise
política e econômica e isto passa, inevitavelmente, pela crise da educação.Sabemos que, historicamente, nem as
políticas públicas, tampouco os processos pedagógicos que nos trouxeram até
aqui, puderam resolver este grave problema que implica diretamente nas bases e
fundamentos dos valores e das ações políticas em nossa sociedade. Sabemos,
também, que a desigualdade, a corrupção, a discriminação, a impunidade e tantos
outros problemas nacionais são produtos da fragilidade destes valores e do
fracasso da educação. Isto é público e notório! A questão principal destes problemas,
portanto, passa a se configurar da seguinte forma: Que educação é esta? Ou
seja, se sabemos que estes problemas são o resultado da crise de valores em
nossa sociedade, por que quando estamos imersos nos processos de formação e
constituição da aprendizagem dos sujeitos não propomos novas perspectivas para
o processo de aprendizagem, a fim de ressignificarmos valores e ações humanas?
De outro modo, o que estamos fazendo quando somos gestores, coordenadores
pedagógicos e educadores para que a educação se transforme e promova aos
educandos (os futuros atores políticos na sociedade) uma nova perspectiva de
aprendizagem que forme o cidadão para agir eticamente na sociedade?Infelizmente, como temos observado,
tem sido feito muito pouco, tanto em termos de políticas públicas efetivas,
quanto em termos de processos de aprendizagem no chão da escola. Como tenho
dito, muitas escolas insistem em se manterem tradicionais; insistem em serem os
cárceres da educação; insistem que o mundo exterior não possa fazer parte no
interior dos seus muros. Ora, mas quem são as escolas senão os agentes que nela
circulam, agem e a instauram à suas condições atuais.Quando pensamos em educação no Brasil,
e em específico a educação pública, ainda é inevitável pensarmos nas escolas
como espaços em que crianças são submetidas a um sistema de vigilância, de
punição e docilização, associados a uma vontade de verdade absurda que as
impede de relacionar o mundo à sua volta com os conhecimentos acumulados e,
assim, de adquirirem uma formação plena, permitindo-as serem um sujeito criador
de conhecimentos e de novas formas de ação e expressão na realidade.Ora, basta observarmos os usos das
tecnologias na escola, em que, por exemplo, artefatos que fazem parte da vida
cotidiano de todos nós, são impedidos de estarem na sala de aula, como os
dispositivos móveis, ou se estão na sala de aula, devem permanecer desligados
por proibição das normas escolares. Outro exemplo são as escolas, que tem
repetidores de sinais wifi em toda a sua extensão e que os mesmos são impedidos
de serem acessados, com suas senhas gradadas a sete chaves. Ou mesmo escolas
que tem 10 MB (megabytes) de velocidade de rede utilizadas para fins
administrativos, enquanto os laboratórios de informática, com apenas 2 MB,
ficam impedidos da utilização coletiva o que os relegam à subutilização,
fadando tais equipamentos à condição de sucatas tecnológicas.Estes exemplos demonstram que a
maioria das escolas brasileiras, em pleno século XXI, ainda são administradas
por modelos de gestão autoritárias, sobrando pouco espaço para a práticas
democrática e para práticas pedagógicas inovadoras. O reflexo disto é que as
escolas geridas desta maneira tem como fim último prerrogativas
administrativas, como nos lembra Vitor Paro, deixando de lado ações que, por
serem democráticas, efetivamente proporcionariam a ampliação da qualidade de
aprendizagem, o fim último da educação.
Do mesmo modo, os processos de aprendizagem, por sofrerem influências de
modelos de gestão meramente administrativo, não levam em conta que a formação
humana é a possibilidade que os sujeitos têm de aprimorarem seus valores, em um
processo de aprendizagem rizomático, como enaltece Adriana Rocha Bruno, em que
o professor é o mediador de um processo que tende a contextualizar o conteúdo e
a forma, os conhecimentos acumulados e o mundo da vida. Ou seja, é em rede,
colaborativamente, que educadores, educandos e a realidade têm a possibilidade
de amplificar, ampliar e transformar os conhecimentos, que são cocriados em um
processo relacional contínuo.Todavia, para que este processo possa
se desdobrar é necessário que a escola se transforme. Ou como radicalmente
aposta Luciano Meira, que esta escola que está aí hoje chegue ao fim, para que
possamos transformar o seu DNA, a sua estrutura, a sua intencionalidade.
Somente desta forma, poderemos vislumbrar uma escola que realmente faça parte
do nosso tempo, que aceite os seus apelos e que possa proporcionar formação de
qualidade aos sujeitos, de tal modo que, em um futuro breve, possamos apenas
nos lembrar de um tempo em que lutamos contra a desigualdade, a corrupção, a
impunidade, todos juntos, e que nossos esforços fizeram com que o Brasil
virasse de vez esta página vergonhosa de nossa história e se tornasse uma nação
grandiosa, educada, política e, verdadeiramente, democrática, uma pátria
educadora como preconiza o slogam da campanha governamental brasileira. Pois como nos alertou Nelson Mandela
“a educação é a ferramenta mais poderosa que podemos usar para mudar o mundo”.