“O livro didático [...] tem sido apontado como o grande vilão do ensino no Brasil. Diante dos grandes problemas educacionais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais e do baixo desempenho dos alunos em testes padronizados, muitos educadores apontam o livro didático como o grande obstáculo a impedir mudanças significativas nas salas de aula. Alguns chegam a afirmar que ele deve ser simplesmente retirado do alcance do professor para que as mudanças possam de fato ocorrer” (BIZZO, 1999).
Não podemos entender a afirmação de Nelio Bizzo sem a contextualizá-la com outras informações discursssivas sobre o assunto. Em pesquisa na rede sobre o tema encontrei um artigo de Bizzo que pode minimizar minha suspeita, uma vez que sua afirmação vai de encontro com aspectos pedagógicos que tem que ser relevantes na ressignificação e reinvenção da escola na sociedade de informação.
Em artigo intitulado "A autonomia da escola" (<http://www.midiamix.com.br/eb/exe/texto.asp?id=451>) Bizzo nos esclarece que “A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) trouxe um cenário surpreendente, uma mudança de paradigma na educação básica que transforma a escola de centro de transmissão de informação em laboratório de aprendizagem”.
Se compreendermos esta sua afirmação, poderemos perceber que o livro didático provoca sim um entrave na produção de conhecimentos, quando pautado na criatividade e experienciação de conhecimentos.
Não estamos aqui apontando que devemos queimar os livros didáticos em praças públicas. Mas, tão somente, devemos compreendê-lo como ferramenta de em um processo de ensino e aprendizagem, o que não tem acontecido no cotidiano da escola.
Um bom exemplo disto é o planejamento pedagógico das escolas, no início do ano letivo. A maioria (não generalizando) dos professores elegem um livro didático e fazem seu palnejamento anual, apressadamente, sem nehum critério crítico e reflexivo, para tomar o café gostoso do intervalo e ir embora para casa curtir o último dia das férias. No decorrer do ano letivo os capítulos do livro elegido sofrem uma exegese não pedagógica que tornam as aulas enfadonhas e desconectadas da realidade sócio-histórica-cultural do educando, o que torna o processo de ensino e aprendizagem ineficaz.
É por isto que tem gente ensinando, até hoje, que Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil ou que o Grito do Ipiranga aconteceu naquela aura militar que a iconografia de Pedro Américo demonstrou. Absurdos do anti-pedagogismo e do anti-intelectualismo do professor atual. Mas existem coisas mais bizarras, conheci uma professora que mandava ( o verbo aqui é significativo para um modelo tradicional de educação) os alunos copiarem as páginas do livro enquanto ela fumava o cigarrinho na cozinha e outra que dizia que sem o livro didático ela não seria nada.
Eu sempre tive sorte! Artes e Filosofia, como são considerados conhecimentos menores, sem utilidade e, em casos extremos, coisa de maluco, por "intelectuais de livro didático", nunca tive livro didático. Sempre planejei com base em livros acadêmicos, conhecimentos não pedagógicos (fotografias, filmes, livros, internet, jornais, novelas, entre outros) e muita vontade de criar e invoar. Tenho quase todas as edições de livros didáticos em minha estante, mas sou criterioso e até arredio a usá-los como se fossem uma "bíblia sagrada", como bem aponta Luckesi (1994). Portanto, minha relação com o livro didático é estabelecida até o ponto em que ele tente coibir minha liberdade e expansão intelectual.
Um fator é importantíssimo na relação livro didático/educador/educando: Temos que saber usá-lo a nosso favor e não contra nós. O livro didático é uma ferramenta de trabalho e não a única. É contraditório, incompleto, atemporal, um manual de conhecimentos encadeados e manipulado. Temos que aprender a dialogar com o livro didático, explorar suas nuances, a fim de complemetá-las com toda sorte de conhecimentos a que o educador é capaz. Os livros didáticos mais atualizados são muito interessantes. Mas mesmo assim, são apenas uma das infindáveis possibilidades de interpretação da realidade e do conhecimento humano.
Talvez, Bizzo tenha razão neste sentido: será que o livro didático não estará perpetuando uma realidade escolar anti-reflexiva e anti-pedagógica? Será que o livro didático está impedindo que novas leituras de mundo e de cultura sejam feitas na escola? Será que o livro didático está criando uma espécie de "niilismo pedagógico" em nosso tempo?
Estas são algumas questões para pensarmos. Pois, caso contrário, estaremos fazendo da escola o oposto daquilo que preconiza suas diretrizes e a deixando de fazermos a única coisa que nos torna seres humanos: a capacidade de ressignificar, reinventar e criar novas realidades e novos mundos.
Nélio Bizzo é biólogo, com pós-graduação na área de biologia e educação. Estagiou na Inglaterra, estudou os manuscritos de Charles Darwin no Manuscripsts Room, da University of Cambridge Library, em Down House (Charles Darwin’s Memorial) e na British Library. É professor titular da USP e Fellow do Institute of Biology (Londres).
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