“É necessário ter o caos aqui dentro para gerar uma estrela”.
NIETZSCHE
O Mundo atual que se constituiu à nossa volta, apresenta-se como um espaço e um tempo do hiperterrorismo, das hiperpotências, das hiperclasses, do hipertexto, da hiperinformação, do hipermercado, do hiperconsumo, do hipercapitalismo enfim, da hiperabundância de todas as coisas criadas pelo homem a partir das revoluções filosófica e científica na modernidade.
Contudo, apesar de se situar no núcleo deste frenesi do hipercapitalismo, os homens e mulheres hipermodernos encontram-se na mais profunda individualidade que a história jamais pode ver: situam-se em um vazio profundo de significações e significados que os fadam ao individualismo, à solidão e ao desespero do excesso. Como diz Lipovetsky, o homem hipermoderno está fragilizado pelo medo em uma era de exageros.
Em meio a esta lógica da hiperabundância os indivíduos hipermodernos vêem-se bombardeados por uma infinidade de informações, serviços e objetos que os tornam ilimitados em seus desejos. A lógica do ter (coisas, informações e serviços) sobressai-se em relação à lógica do ser (do tornar-se ético, moral, honesto, honrado, por exemplo) o que demarca a fragilidade de sua existência diante do mundo hipercapitalizado.
Ora, se na primeira modernidade, a partir do século XVIII, inventou-se o individualismo, a democracia e o mercado livre, nesta nova era da modernidade (que o filósofo Lyotard denominou pós-modernidade), se instituiu o hiperindividualismo e o hiperconsumo. Não mais o individualismo limitado pelas ideologias, pelas diferenças sexuais, pelo papel da igreja, pelo papel do estado na economia (próprio das primeira mosdernisdasde), mas, agora, um hiperindividualismo que imerso na sociedade de consumo torna-se ilimitado, com os indivíduos cada vez mais senhores de sua própria existência, em todas as categorias e gêneros da população: crianças, jovens, homossexuais, homens ou mulheres, brancos ou negros. Ou seja, o hiperindividualista é mais responsável pela sua própria existência. Ele tem menos proteção coletiva, das instituições. Ele está mais entregue a si mesmo, o que implica ter de se buscar a si e se auto-inventar. Mas, sobretudo, ele passa a ser vítima da era dos exageros: do hiperconsumo. Por isto está mais frágil no hipercapitalismo.
Este fenômeno, o hiperindividualismo, pode ser entendido ao se analisar a invasão das novas tecnologias da informação no seio da família, da escola e das instituições organizadoras da sociedade. Pois os telefones celulares, os computadores, os nootbook’s, os aparelhos de CD/DVD, as televisões de plasma, a internet, os Ipod’s, os modems móveis G3 e toda sorte de tecnologias ressignificam o espaço e tempo dos indivíduos na atualidade.
Assim, o contato dos hiperindivíduos com as novas tecnologias da informação promove o uso do tempo e espaço de forma diferenciada, sem padrões ou modelos a seguir. Qualquer pessoa pode tornar-se escritor, cineasta, crítico de cinema ou design com alguns cliques na internet. Ou seja, para o hiperindivíduo tornar-se expert em alguma coisa depende de seu desejo em conhecer algo, do seu reinventar-se e de sua possibilidade criativa. Além deste efeito, as tecnologias da informação, permitem aos indivíduos fazerem uso de seu espaço e tempo de forma individualizada. Pois a internet, por exemplo, permite se estabelecer contatos com outros indivíduos, mundo afora, e no momento que se quiser, na clausura do seu quarto.
Neste contexto, o hipermundo tornar-se um espaço e tempo sem ideologias, sem fronteiras, sem regras, sem limites, uma sociedade do hiperconsumo e, talvez como alguns pessimistas diriam, uma sociedade caótica. Mas Lipovetsky não concorda com os pessimistas e ratifica a hipermodernidade pois (...) por toda parte há uma sociedade dos livres serviços que se acentuou (...) devido à sociedade de consumo e agora mais ainda pelas novas tecnologias. Sociedade esta que se moderniza a cada instante em função de sua inventividade e criatividade.
Ora diante deste hiperdindiviualismo da sociedade hipermoderna, sociedade esta sem limites, afeita ao frenisi das novas tecnologias e à impulsividade do consumo instantâneo de informações imediatistas, de coisas efêmeras e de momentos de pura individualidade solitária, qual seria a possibilidade do filosofar e da educabilidade uma vez que filosofar e educar exige regras, limites, valores e conhecimentos que foram passados de geração em geração? Ou de outra forma, como se poderá filosofar e se educar em uma sociedade em que os valores e os conhecimentos que foram passados de geração em geração são substituídos por valores individualizados que satisfaçam as exigências do consumo desenfreado, da efemeridade e da hiperabundância? Enfim, quais caminhos percorrer para a efetivação de um pensamento filosófico e de uma educação democrática e de qualidade na hipermodernidade diante do hiperindividualismo e do hiperconsumismo ou diante da ditadura da marca nos tempos atuais?
A este respeito Lipovetsky apontará um paradoxo da hiperindividualidade. Pois os homens e as mulheres, mesmo afeitos à liberdade hipermoderna continuam tendo um certo autolimite e um número de parceiros sexuais limitado. Isso é interessante. De um lado, parece que tudo é possível, tudo é permitido e não é bem assim. Apesar dos indivíduos estarem voltados para o imediatismo do presente com o consumo associado a uma ética da felicidade (quanto mais consumir mais feliz será) que bombardeia, de um lado, o hiperindivíduo com uma loucura gerada por liquidações, lançamentos, datas festivas e, em contraponto, uma obsessão pela saúde em um comportamento crescente de preocupação com o corpo, cuidados com a alimentação, priorizando produtos saudáveis e de qualidade, muitos hiperindivíduos se mantém em uma posição de moderação e uma espécie de reequilíbrio.
E aqui se tem o ponto arquimediano para que se possa entender qual o papel da filosofia e da educação na hipermodernidade. Ou seja, perceber um ponto de moderação e reequilíbrio da hiperindividualidade significa dizer que talvez não se deva reproduzir o modelo da manipulação ideológica e de alienação proposto na primeira modernidade. Mas antes viver numa sociedade em que ainda há normas muito fortes, mas que não tem um impacto considerável na existência dos hiperindivíduos. Pois imerso na cultura dos excessos o hiperindivíduo carece de substancialidade, fundamentação e critérios para compreender, de forma crítica, o que a hipermodernidade lhe apresenta de forma avassaladora: o excesso de informações. Dito de outra maneira, os hiperindivíduos necessitam da filosofia e da educação para que possam compreender o excesso de informação e transformações que ocorrem à sua volta para que não vivam alienados e manipulados no hipermundo.
Como aponta Lipovetsky: O hiperindivíduo ainda tem crenças e se entusiasma com as coisas. Não com todas as coisas ao mesmo tempo. Por isso é um erro completo de diagnóstico dizer que há somente a técnica e a busca da eficácia e da competitividade. Segundo Lipovetski essa é uma leitura parcial da realidade, (...) porque ela esquece que se no mundo moderno há esse aspecto da técnica e competitividade, há também os valores humanísticos e democráticos. Esses valores podem ser mais ou menos fortes em determinado momento, mas de forma alguma eles morreram. E repito, a partida está longe de estar acabada. (...) as regras éticas permitem, na verdade, jogar o jogo. Se você trapacear, não vai poder jogar por muito tempo. A ética no mundo dos negócios tornou-se um fator muito importante em escala global para que o sistema possa funcionar.
Portanto, filosofar e educar no mundo hipermoderno é lembrar que mesmo dentro da hiperabundância de saberes, valores, técnicas há sempre uma necessidade individual em relembrar o já dito, manter-se em determinados valores e experimentar toda sorte de técnicas que o ser humano é capaz. Ao invés de se moralizar o hipermundo com valores de conduta e nivelamento, com posicionamentos intelectuais tradicionalmente aceitos por décadas passadas e, sobretudo, promover a profanação da técnica em favor de padrões ideológicos impostos por profetas da sociedade, tem-se que valorizar a informação, a diferença, a individualidade, a abundância, a ética, a técnica e toda sorte de possibilidades da hipermodernidade. Pois de um simples e corriqueiro objeto tecnológico presente em todos os lares mundo afora, a televisão, pode-se escravizar os hiperindivíduos do mundo inteiro com valores de condutas e ideologias dominantes. Mas também se pode extrair deste equipamento informações importantes que farão os hierindivíduos tornarem-se mais críticos, reflexivos e criativos.
A filosofia e a escola que queremos proporão que a hipermodernidade aconteça em um ambiente escolar repleto do hipermundo que integra o hiperindivíduo. Este novo modo de pensar a realidade e produzir conhecimentos na escola tem que se tornar um fenômeno de hiperconsumo, com todas as informaçãoes que estiverem contidas e ao alcance dos hiperindivíduos. A escola que queremos é a hiperescola. Como dirá Lipovetsky a escola da paixão em que o hiperindivíduo se torne o hiperprotagonista e o hiperator da reinvenção e recriação de um novo espaço e tempo na história humana. Pois educar é proporcionar à história da humanidade que haja novos atores históricos (...) em um universo aberto. E essa ordem aberta pode ter a forma de uma sociedade desigual, uma sociedade democrática, ética, e com muita vontade de reinventar, recriar e requalificar os hiperindivíduos. Uma sociedade que saiba usar a filosofia para que possa pensar e repensar a realidade de forma crítica, analítica e reflexiva. Uma sociedade que até manipule, ideologicamente, os hiperindivíduos, mas que dê a eles a oportunidade de dialogar com os modelos de dominação existentes para que viver feliz na hipermodernidade.
Octavio Silvério de Souza Vieira Neto
Verão de 2009
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